Perda de floresta causa o desaparecimento de abelhas polinizadoras

Estudo anterior mostrou que mais de 90% da polinização do açaí é realizada por abelhas nativas da Região Amazônica

Estudo publicado na revista Agriculture, Ecosystems & Environment revela que em áreas de açaizais com pouca cobertura florestal nas proximidades, espécies de abelhas nativas sem ferrão (meliponíneos) estão desaparecendo.

Os pesquisadores estudaram o efeito do desmatamento sobre características específicas das espécies, o que chamam de diversidade funcional, e constataram que as abelhas de menor tamanho foram as mais impactadas. A perda na diversidade de abelhas nativas da Amazônia tem um efeito negativo na polinização do açaizeiro, uma vez que esses animais são os principais polinizadores da palmeira.

Realizado por cientistas brasileiros e estrangeiros, o trabalho relevou que nas áreas estudadas, tanto com açaizeiros (Euterpe oleracea) de várzea (áreas inundadas) quanto em plantios de terra firme (áreas altas), houve uma diferença de quase 80% no número de espécies que visitaram as flores da palmeira.

“Nós avaliamos áreas com pouca floresta ao redor do açaizal e áreas com muita floresta. Nas áreas com mais floresta encontramos até 14 espécies de abelhas sem ferrão que visitaram as flores do açaí. Já nas áreas sem cobertura florestal, encontramos apenas três espécies”, detalha o biólogo Alistair Campbell, pesquisador visitante em atuação na Embrapa Amazônia Oriental (PA), e principal autor do estudo.

Os cientistas avaliaram 18 áreas em quatro municípios paraenses que se destacam na produção de açaí: Barcarena, Abaetetuba, Acará e Belém (Região da Ilhas).

Os locais de coleta de dados de campo envolveram açaizais naturais de várzea, submetidos ao manejo intensivo, e plantios em áreas não sujeitas a inundação (terra firme). Campbell conta que um total de 33 espécies de 16 gêneros de abelhas sem ferrão foram encontradas em inflorescências do açaizeiro. Os gêneros mais comuns encontrados pelos pesquisadores foram Trigona, Trigonisca, Partamona, Plebeia e Nannotrigona, que são as principais polinizadoras do açaizeiro.

Polinização do açaí

Entre as abelhas encontradas, há algumas que têm maior sensibilidade à perda ou empobrecimento das áreas de vegetação natural, e, portanto, são mais afetadas, conforme apontou o estudo. “Consequentemente, se há perda de habitat, o grupo mais sensível de abelhas vai desaparecer daquele local, e isso pode afetar negativamente a polinização do açaizeiro, uma vez que quanto maior a diversidade de polinizadores, melhor e mais eficiente é a polinização e a produção de frutos”, afirma a bióloga Márcia Maués, pesquisadora da Embrapa e uma das autoras do trabalho.

Estudo anterior mostrou que mais de 90% da polinização do açaí é realizada por abelhas nativas da Região Amazônica. “E essas abelhas dependem das áreas de vegetação natural, então a produção do açaí é dependente das nossas florestas que proveem os polinizadores e resguardam o serviço ecossistêmico de polinização”, destaca a cientista.

Ser diferente é natural

Para estudar os efeitos da mudança de uso na terra nas comunidades de abelhas sem ferrão e nos serviços de polinização do açaí, os pesquisadores uilizaram a abordagem de traço funcional. Isso signfica que em vez de considerar igualmente todas as espécies, o grupo olhou traços específicos que as diferenciam umas das outras, como o tamanho, a dieta alimentar, onde fazem seus ninhos e outros. Isso é o que chamam de diversidade funcional e que está presente na natureza.

A diversidade funcional é o conjunto de características específicas de cada espécie que determinam sua sobrevivência e os serviços ecológicos que desempenham.

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Há abelhas que têm maior sensibilidade à perda ou empobrecimento das áreas de vegetação natural. Foto: Cristiano Menezes/Embrapa

“Coletamos dados sobre seis características funcionais de abelhas sem ferrão que podem influenciar sua resposta à mudança na paisagem e no papel como polinizadores”, explica Campbell. Os traços, ou características analisadas, foram o tamanho do corpo, cor do tegumento, hábito do ninho, tamanho da colônia, comportamento de forrageamento e amplitude da dieta.

Cada traço tem relação com a estratégia de vida da abelha, como explica o cientista. Por exemplo, as maiores conseguem voar mais longe; aquelas que fazem ninho em oco de árvores, precisam de floresta; e se a dieta é ampla ou restrita, áreas degradadas têm menos diversidade de plantas e consequentemente menos opção de alimentos.

“Como os traços funcionais são frequentemente compartilhados por algumas ou muitas espécies, o uso de uma abordagem dessa natureza pode nos mostrar os papéis ecológicos de várias espécies que compartilham um traço funcional e fazer previsões de como algumas espécies são impactadas pela mudança na paisagem e no uso da terra”, afirma a bióloga Elinor Lichtenberg, professora assistente da University of North Texas (Estados Unidos), primeira autora do estudo.

A cientista explica ainda que o cálculo da diversidade de espécies é baseado no número de espécies. Já a diversidade funcional é calculada com base nos valores das diferentes características das espécies.

“Quando se trabalha só com a riqueza ou diversidade de espécies, a gente não considera as diferenças funcionais entre elas. Mas o que define o valor de cada espécie são os seus traços, as suas características. É isso que tentamos fazer nesse estudo, focar nos atributos de cada espécie”, acrescenta Campbell.

O trabalho reuniu cientistas da Embrapa Amazônia Oriental, Embrapa Meio Ambiente (SP), University of North Texas, Universidade de Lisboa, Instituto Tecnológico Vale, Universidade Federal do Pará, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal de Goiás.

O estudo serve como um alerta tanto para as áreas de manejo de açaizais nativos quanto para as áreas de plantio em terra firme. “Sabemos que o açaizeiro possui uma megadiversidade de visitantes florais, dos quais cerca de uma centena são polinizadores em potencial. Desses polinizadores, destacam-se as abelhas nativas, que tem alta dependência das áreas de vegetação natural para sobreviver, obter alimento, abrigo e construir seus ninhos”, ressalta Maués.

“Não basta contar com apenas uma espécie que pode ser menos sensível à perda de habitat, pois a produção de açaí se beneficia por ter várias espécies de abelhas sem ferrão, com diferentes características, por isso, a conservação de florestas é o fator-chave na manutenção da diversidade funcional”, acrescenta Lichtenberg.

Na Amazônia, a legislação ambiental determina que as propriedades rurais mantenham 80% de áreas naturais, a Reserva Legal e Área de Proteção Permanente. A recomendação dos pesquisadores é buscar mecanismos para compensar passivos ambientais, reflorestar áreas e manter a diversidade nas florestas de várzea. “Nas áreas manejadas de açaí, por exemplo, é importante manter o equilíbrio entre o açaí e outras plantas, pois são elas que vão servir de local de abrigo e alimentação para as abelhas”, recomenda Maués.

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