Depois de 15 anos, torcida do Fluminense volta ao Maracanã na Libertadores com expectativa alta

O que não acabou em 2008 vai continuar em 2023. Desde que bateu na trave no título da Libertadores, a torcida do Fluminense nunca retornou ao Maracanã na competição ao longo desses 15 anos. Das cinco edições que o clube participou no período, em quatro jogou em São Januário ou Nilton Santos, em decorrência do fechamento do principal estádio do Brasil para reformas ou trocas de gramado. E em 2021, quando atuou no palco, foi com portões fechados devido à pandemia da Covid-19. Nesta terça-feira, às 19h (de Brasília), contra o The Strongest, da Bolívia, é hora do tão aguardado reencontro.

E com o início avassalador do Fluminense na temporada, torcedores que viveram aquela campanha revivem o sentimento do sonho e a esperança pelo troféu mais cobiçado da América do Sul. Até a última segunda-feira, foram quase 50 mil ingressos vendidos, e a torcida já prepara uma grande festa. O ge entrevistou cinco tricolores, que estiveram no Maracanã naquela Libertadores de 2008 e que estarão novamente no estádio nesta terça, para ouvir suas histórias e expectativas para a edição 2023.

Um desmaio inesquecível

Diogo Riccobene, de 39 anos, analista de negócios de óleo e gás, foi a todos os jogos daquela Libertadores e diz ter vivido seus momentos de maior alegria e de maior tristeza como torcedor naquela campanha. Ele chegou a desmaiar na emocionante vitória por 3 a 1 sobre o São Paulo nas quartas de final, quando Washington marcou o gol da classificação nos acréscimos:

– Chegar até aquela Libertadores foi muito especial porque passamos por anos muito sombrios antes da Copa do Brasil em 2007. Apesar do momento, eu já era sócio antes, então consegui ir a todos os jogos daquele ano. O mais marcante, sem dúvidas, foi contra o São Paulo. Desmaiei no Maracanã enquanto ainda estava 1 a 1, só lembro de acordar em uma maca, na enfermaria do estádio. Precisei que minha irmã se responsabilizasse por mim para eu poder voltar à arquibancada. “O Fluminense tá me esperando”, eu gritava.

– Consegui voltar, mas ainda estava muito “grogue” de remédios e assisti ao jogo completamente tonto. O Fluminense virou o jogo, mas acabei só entendendo o que foi vivido depois, quando o efeito dos remédios passou. Ali eu entendi que tinha vivido algo histórico.

Diogo Riccobene, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

Diogo Riccobene, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

– Aquele foi o pior dia da minha vida, com certeza. Foi meu primeiro choro em estádio, conto essa história até hoje. Parece que não acabou, infelizmente. Por outro lado, hoje vivo e respiro mais ainda o Fluminense, é uma outra realidade. Tenho o privilégio de ajudar em algumas festas, em algumas coisas na arquibancada e estou muito ansioso para esse ano, para apoiar o Fluminense e, quem sabe, viver esse sonho.

Jogo relâmpago, apagão e spray de pimenta

Quem também esteve em todas as sete partidas no Maracanã naquela campanha foi André Luiz Oliveira, de 42 anos, personal trainer e youtuber. Ele tinha 27 quando recorda os momentos vividos ao lado dos pais no estádio naquela campanha, incluindo um “jogo de 15 minutos” contra o Arsenal de Sarandí, da Argentina, na fase de grupos; um apagão parecido com o do Diogo contra o São Paulo, só que no fim; e o perrengue que passou para conseguir ingresso para a final:

– Na final, foram 14h de fila. Minha mãezinha foi para lá às 4h da manhã, e a fila já estava na estátua do Bellini. A bilheteria era a da Radial Oeste. Ou seja, a fila já tinha dado meia volta no Maracanã. Eu fui para a faculdade, e no início da tarde fui encontrá-la, estava mais ou menos no Maracanãzinho. Quando chegou ali perto da Sul, começou um burburinho que haviam acabado os ingressos. Eu deixei minha mãe na fila e fui até lá na bilheteria. Estava a maior confusão, parecia filme de zumbi, a cavalaria descendo o cassetete nas pessoas… Eu saí me enfiando no meio, tomei três porradas nas costas, spray de pimenta na cara, mas consegui chegar na boca da bilheteria e comprei o meu, do meu pai e da minha mãe. Se não me engano, foi R$ 100 reais cada um, era muito dinheiro na época.

André Luiz, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

André Luiz, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

Empolgado para o retorno nesta terça-feira, André Luiz se ampara nas coincidências para acreditar em um final feliz dessa vez e só lamenta que o estádio não vai estar completamente lotado (até a última segunda-feira foram cerca de 49 mil ingressos vendidos):

– Inclusive gravei um vídeo dizendo que muita gente não se deu conta ainda. Vai dar umas 50 mil pessoas, o que é um bom público, mas é abaixo do que eu esperava dessa volta depois de 15 anos. Mas vai ser uma baita emoção, vai rolar um “déjà vu”, com lembrança de 2008, mas a sensação de um ano da redenção. Porque Papai do Céu preparou isso para a gente. Primeiro jogo com torcida no Maracanã ser justamente no ano do nosso melhor time dos últimos tempos, e com a final sendo no Maracanã de novo. É o ano para ganhar e apagar aquela memória ruim de 2008.

Sonho do título no aniversário

Não só para quem ajuda na arquibancada que surgem novas responsabilidades, novas fases e a vontade de reviver momentos. Yandra Guimarães, de 27 anos, professora de uma escola no Rio de Janeiro, lembra tudo que viveu com o pai no Maracanã naquela campanha e também considera a classificação chorada sobre o São Paulo como o momento mais marcante:

– Assisti a todos os jogos da Libertadores com meu pai, meu parceiro. Tenho para mim que o jogo mais emocionante foi contra o São Paulo, pela forma que aconteceu, a maneira como as coisas se deram e tudo mais.

Família Fluminense: Yandra ao lado do pai e da filha no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

Família Fluminense: Yandra ao lado do pai e da filha no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

– Agora tenho um novo sonho, um novo objetivo. Me tornei mãe da Mavi no final de 2021, minha maior alegria. Esse ano, dia 11 de novembro, ela completa dois anos, exatamente no dia que acontece a final da Libertadores no Maracanã. Se tudo der certo, meu sonho de ver o Fluminense campeão da Libertadores ao lado do meu pai fica mais legal ainda sendo comemorado junto ao aniversário da minha filha.

Comemoração rolando na arquibancada

André Frade foi outro tricolor onipresente naqueles sete jogos no Maracanã. De origem humilde, ele tinha 16 anos ia com a avó, que tinha gratuidade, e passou a ajudar na organização das festas da torcida, espalhando faixas, cartazes. Hoje aos 30, o vendedor também lembra da partida com o São Paulo como a maior emoção, e comparou à semifinal contra o poderoso Boca Juniors, da Argentina.

– Antes do gol contra o São Paulo, tinha um rapaz sentado do meu lado, estava no alto da Arquibancada Verde, atrás do telão. Ele falou assim: “André, estou esperando isso a minha vida inteira, não é possível que esse gol não vai sair agora”. E a comemoração foi rolando na arquibancada, um gritando com o outro, chorando e abraçando gente que você nem conhece, foi um momento muito f… Contra o Boca Juniors foi mais tranquilo, a gente esteve eliminado só por minutos, porque o 1 a 1 era nosso, e quando estava 2 a 1 se eles empatassem ainda seria prorrogação, mas ganhamos de 3 a 1.

André Frade, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

André Frade, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo desempregado atualmente, André virou autônomo (já vendeu pipoca e pipa) e está juntando dinheiro para fazer um plano anual de sócio-torcedor do “Arquiba 100%”, que dá direito a ir aos jogos “de graça”. Ele inclusive recentemente cortou cerca de 50cm do longo cabelo que ostentou durante os últimos três anos, desde o início da pandemia da Covid-19, para vender e já tem cerca de R$ 800 (falta pouco mais de R$ 200). Para não precisar usar suas economias, ganhou ingresso de um amigo.

– Tenho um amigo que falou que fez check-in, mas como trabalha até 19h dificilmente iria conseguir sair antes, aí ficou de me dar o ingresso. Mas ele conseguiu trocar para sair mais cedo e me avisou depois. Sorte que apareceu um outro amigo com ingresso sobrando e me salvou. Senão ia ter que gastar uma parte do que estou juntando para fazer o sócio-torcedor.

Excursão e pressentimento na largada

Diferente dos demais, Yan Vernei, de 32 anos, coordenador de operações, agora mora no Rio, mas em 2008 vivia em Piracambi, no interior do Estado. Para percorrer cerca de 80km e frequentar o Maracanã, ele fazia excursão com outros torcedores da cidade. E a estreia no estádio naquela edição, uma goleada inapelável de 6 a 0 sobre o Arsenal de Sarandí, da Argentina, jogo do golaço do Dodô e da volta do pó-de-arroz, ficou marcado em sua memória e lhe deu o pressentimento:

– Para mim, tudo naquele jogo foi muito mágico. Os gols bonitos, a energia que a torcida sentiu… Parecia que estava escrito que seria um ano diferente. Foi naquela noite que eu consegui perceber que brigaríamos pela Libertadores com mais força do que em qualquer outra ocasião.
Yan Vernei, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

Yan Vernei, torcedor do Fluminense, no Maracanã — Foto: Arquivo Pessoal

Apesar dos momentos lindos, Yan acredita que aquela história ainda terá um capítulo final. E pretende voltar ao mesmo lugar que esteve em 2008 para viver isso:

– Brinco que vivi uma história de dois dias em um só. Até a meia-noite do dia 3 eu era o cara mais feliz do mundo, mas quando o dia virou se tornou a minha maior tristeza. Assisti aquele jogo (decisão contra a LDU) atrás do gol, e assim pretendo estar em todos os jogos até a final. Setor sul, atrás do gol, vivendo o que tanto amo. Espero que esse ano seja a hora de virar essa página e terminar de escrever essa história. Sinto que há uma confiança muito grande por parte da torcida. Seremos campeões.

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