Com trabalho prisional, presídio se torna polo de produção industrial em Campo Grande

A rotina de Nilson dos Santos começa logo cedo. Após tomar o café da manhã, inicia suas atividades em uma fábrica de churrasqueiras, onde cumpre carga horária de oito horas com intervalo para o almoço, e tem a missão de produzir sem erros e da forma mais eficiente possível.

O início de mais um dia comum vida na dele é a mesmo de tantos trabalhadores, a não ser pelo fato que a história acontece dentro de um presídio da Agepen/MS (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul).

Nilson cumpre pena em regime semiaberto no CPAIG (Centro Penal Agroindustrial da Gameleira), em Campo Grande, que atualmente conta com seis oficinas de produção industrial, empregando diretamente cerca de 180 reeducandos. No local, são produzidos pães, churrasqueiras, reformas de carrinhos de supermercados, empacotamento de erva de tereré, cozinha e produção de bolas, entre outras atividades. Além disso, mais 450 detentos atuam em parcerias da Agepen fora do presídio.

Na oficina de churrasqueiras – com a confecção completa feita no local -, a última ser implantada há dois meses, atuam 20 custodiados, com uma produção média de 15 peças completas por dia. “Entra a matéria-prima e já sai pronta para o comércio”, comenta Márcio Roberto Rosa, proprietário da Fort Churrasqueiras.

Ele acredita que a iniciativa traz benefícios em vários aspectos, pois o empresário tem a redução de custos, o interno uma ocupação produtiva e a sociedade, que recebe uma pessoa melhor quando estiver em liberdade. “Incentivo outras empresas a participar, pois é uma mão de obra que pode ser aproveitada, inclusive estamos no processo de contratação de pessoas que passaram por aqui”, disse sobre a seleção de ex-detentos. A parceria de sucesso agora terá mais uma frente de trabalho no presídio com produção de cordas náuticas.

O critério de encaminhamento para a ocupação profissional obedece a ordem de espera e o bom comportamento, assim como de aptidão para o serviço. A intenção, de acordo com o diretor do CPAIG Adriel Barbosa, é de que mais 200 apenados estejam trabalhando em oficinas intramuros, em médio prazo. “Nosso foco são, especialmente, empresas que peguem um grande volume de mão de obra”, ressaltou. Em um ano, a unidade conseguiu triplicar o total de reeducandos inseridos em ocupação remunerada.

Trabalho em equipe

Patrimônio cultural do Estado, o tereré também está servindo de fonte de ocupação e renda para detentos da Gameleira. Atualmente, dez trabalham com a manipulação para saborização, pesagem e empacotamento da erva usada na bebida, com capacidade de produção de mil pacotes por dia, dependendo da encomenda.

E.C. de O. J. trabalha há seis meses na oficina. Além de todos os demais benefícios que o trabalho proporciona, ele considera uma forma de ocupar a mente e prepará-lo para o futuro. “Aqui a gente consegue focar no que estamos fazendo, e isso ajuda na disciplina, no conviver com os outros”, afirma, reforçando que todos sabem participar de todo o processo de produção. “Temos que ter uma consciência de equipe. Procuramos trabalhar por igual, e nos ajudarmos, para não pesar para ninguém”.

Trabalhar também estimula a autoestima, segundo M. F. da C., que integra, há um ano, a equipe de cinco internos que atuam na reforma de carrinhos de supermercados, outra frente laboral no estabelecimento prisional. “Sou um ‘mecânico de carrinhos’, me considero um profissional da área, pois é uma profissão que aprendi a mais, é uma porta que se abre lá fora, além de ser um meio de ajudar a minha família”, comemora.

“Não fechei as portas graças à Agepen”

Outra oficina ativa no momento na unidade semiaberta masculina da capital é a Sportball que, há oito meses, transferiu grande parte da fabricação de bolas para dentro do presídio e ocupa também mão de obra de reeducandos de outras cinco unidades prisionais do Estado no processo.

Conforme a proprietária, Rafaela Barbosa, a empresa já é conveniada com o sistema prisional há quaro anos, com a costura de bolas por detentos. “Na pandemia, não fechamos as portas graças à parceria com a Agepen, somos muito gratos por isso”, garante.

Devido ao sucesso na ocupação de mão de obra prisional, a empresa decidiu levar todas as etapas de produção para dentro do sistema penitenciário. “Aqui na CPAIG, produzimos a partir da matéria-prima, inclusive confeccionamos as câmaras, que antes comprávamos de fornecedores, e enviamos os kits às outras penitenciárias que também ocupamos mão de obra”, detalha Rafaela que, junto com o esposo Fernando Duarte de Lima acompanha diretamente a produção.

“Conseguimos melhorar nossa logística, diminuímos gastos e ampliamos nossa produção”, constata, enfatizando que, somando todas as unidades, são cerca de 350 reeducandos ocupados, sendo 20 somente no Centro Penal.

Olhar para o social

Além das parcerias com empresas, a unidade é referência em ações voltadas para o social, como o projeto Revitalizando a Educação com Liberdade, que reforma escolas da Rede Estadual de Ensino da Capital, já estando na 19ª obra. A ação é realizada por meio de parceria com o Judiciário e a Secretaria de Estado de Educação.

Outra frente é a Padaria da Liberdade, também promovida em parceria com a Justiça, na qual parte da produção é doada ao Programa Mesa Brasil. Como desdobramento do projeto, uma horta está sendo implantada no presídio para doações de hortaliças e legumes a pessoas carentes. A expectativa é de que seja feita a colheita em três meses.

Foco na ocupação prisional

As frentes de ocupação laboral no Centro Penal da Gameleira são resultados do empenho da equipe do Setor de Trabalho da unidade, com o apoio da direção do presídio e da Agepen. Realidade também refletida em outros presídios de Mato Grosso do Sul, fazendo com que o estado esteja entre os maiores índices de presos trabalhando, segundo estatísticas do Infopen (Sistema de Informações Penitenciárias).

Dados da Divisão do Trabalho da agência penitenciária apontam que, atualmente, aproximadamente 37% da massa carcerária exerce atividades laborais, número que supera em 10 pontos percentuais a média nacional, que é de quase 26%. São cerca de 6,4 mil reeducandos desempenhando atividades laborais e mais da metade são remunerados, por meios dos convênios estabelecidos. Os números não incluem os monitorados eletronicamente com tornozeleira.

A Agepen soma hoje 217 instituições públicas e privadas conveniadas para a ocupação da mão de obra prisional, abrangendo atividades como construção civil, confecção de vestuário, produção industrial de couros, frigoríficos, restaurantes, limpeza pública, serviços gerais, entre outros.

Para o diretor-presidente da Agepen, Rodrigo Rossi Maiorchini, quanto mais a pessoa se aproxima do trabalho, mais se afasta do crime. Para ampliar as frentes laborais aos apenados, a instituição tem buscado também qualificá-los em áreas com demanda no mercado, com o oferecimento de cursos profissionalizantes.

O diretor avalia que os dados positivos conquistados apontam para uma maior conscientização por parte dos empresários e da sociedade, como um todo, com relação à ocupação prisional. “É algo muito viável, tanto para os empresários, do ponto de vista econômico, como para a vida do interno, por capacitá-lo profissionalmente”, complementa.

Para os internos, além do retorno financeiro e todos os benefícios que a ocupação produtiva permite, um fator importante é a remição da pena. Em um ano de trabalho, os internos conseguem reduzir 104 dias do tempo cumprir na prisão, já que a LEP (Lei de Execução Penal) estabelece que a cada três dias trabalhados um é reduzido.

Dentre as vantagens para o empresário contratar a mão de obra prisional, estão os benefícios fiscais e trabalhistas, o que não gera encargos como pagamento de 13º salário, férias, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), em conformidade com a LEP.

Empresas e instituições interessadas em firmar convênio de ocupação da mão de obra carcerária com a Agepen podem entrar em contato com a Divisão do Trabalho pelo telefone (67) 3901-1046 ou e-mail: trabalho@agepen.ms.gov.br.

No site da Agepen tem uma cartilha explicando o passo a passo de como funcionam os convênios e todos os benefícios e responsabilidades dos parceiros contratantes.

Texto e fotos: Keila Oliveira, Agepen

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