Descontada em MS, brasileiros pagaram toda a dívida da construção de Itaipu
Última parcela foi quitada em fevereiro deste ano, e Brasil pagou para a hidrelétrica US$ 85,7 bilhões (R$ 428,9 bilhões) no período de 1985 a 2022.
Análises dos fluxos financeiros e da repartição de energia da hidrelétrica de Itaipu mostram que os brasileiros pagaram integralmente a dívida da construção da usina binacional no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai.
O pagamento da tarifa dessa energia no lado brasileiro está obrigatoriamente embutido em conta de luz, inclusive do sul-mato-grossense, justamente para garantir que a dívida seria paga, e Itaipu, mantida.
A última parcela foi quitada em fevereiro deste ano. Foram pagos US$ 63,3 bilhões (R$ 313 bilhões) no total, US$ 35,4 bilhões (R$ 175 bilhões) a título de amortização de dívida e US$ 27,9 (R$ 138 bilhões) de juros. Os consumidores seguem mantendo a operação da hidrelétrica.
Um grupo de 31 distribuidoras que atendem dez estados e o Distrito Federal nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste repassa os custos para os brasileiros.
Os itens financeiros ficam detalhados no chamado Anexo C desse documento, que começa a ser renegociado pelos dois países neste fim de ano. Trata-se de um momento histórico, em que será possível redefinir o futuro da energia da usina.
Os cálculos sobre o fluxo financeiro de Itaipu foram realizados pelo Instituto Acende Brasil, um think tank da área de energia, espécie de centro de estudos dedicado ao desenvolvimento de ações e projetos que buscam reforçar a transparência e sustentabilidade do setor elétrico do país.
O estudo já foi entregue ao Itamaraty, como contribuição para a revisão do Anexo C. A base de dados foram os balanços financeiros divulgados pela própria empresa.
O acompanhamento dos pagamentos e recebimentos líquidos de cada país mostram que o Brasil pagou para a hidrelétrica US$ 85,7 bilhões (R$ 428,9 bilhões) no período de 1985 a 2022. O Paraguai, por sua vez, recebeu US$ 5,9 bilhões (R$ 29,5 bilhões).
Segundo o estudo, o Paraguai não só garantiu seu suprimento de energia com a binacional como teve na usina uma importante fonte de receita.
“O Brasil pagou tudo, basta ver o fluxo do dinheiro. Pagou a dívida, a operação, o custeio. Tudo foi bancado pelos consumidores de energia do lado brasileiro”, afirma Claudio Sales, presidente do Acende Brasil.
É preciso conhecer a dinâmica do consumo de energia e da contabilização dos diferentes custos da hidrelétrica para entender como algo assim é possível.
Pelo tratado, ficou acordado que Itaipu não teria lucro. Sua tarifa de energia deve ser o valor necessário para cobrir o Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade), ou seja, o valor exato para custear a hidrelétrica. O setor chama esse modelo de tarifa pelo custo.
Entre os grandes itens estão royalties pelo uso da água dos dois lados da fronteira (que é repassado a municípios), o custo de exploração, que na prática agrupa as despesas para operação e manutenção da usina, e os custos financeiros, cujo maior valor sempre foi a dívida contraída para construção da hidrelétrica. Historicamente, representou 60% das despesas.
O tratado também fixou que tudo em Itaipu é dividido meio a meio entre Brasil e Paraguai, despesas e benefícios.
O país vizinho, no entanto, até hoje não conseguiu consumir os 50% de produção de energia elétrica a que tem direito. No ano passado, o Paraguai ficou com 24% do total, por exemplo. A regra diz que a parcela não consumida por um parceiro é cedida para o outro mediante um pagamento.
O Brasil pagou no ano passado US$ 218,5 milhões (R$ 1,1 bilhão) por essa cessão, um valor considerado generoso.
O cálculo para definição do valor da cessão foi reajustado em 2009, após uma negociação bilateral que gerou muitos questionamentos no Brasil.
A mudança elevou o fator de reajuste em favor do país vizinho, beneficiando o governo do então presidente Fernando Lugo, o único que conseguiu quebrar a hegemonia do Partido Colorado em 70 anos.
A título de explicação, o levantamento do instituto detalha o fluxo de receitas e despesas de Itaipu no ano passado. O Brasil foi responsável pela receita de US$ 2,8 bilhões (R$ 14 bilhões) enquanto o Paraguai, por US$ 495 milhões (R$ 2,4 bilhões).
A análise da contabilidade mostra que, considerando saldos financeiros de 2021, US$ 2,5 bilhões (R$ 12,5 bilhões) foram destinados a cobrir custos de manutenção da usina, como despesas com exploração e a dívida da obra.
Outros US$ 801 milhões (R$ 4 bilhões) foram para pagamentos fora da usina, por assim dizer, como royalties a municípios dos dois lados da fronteira e repasses a título de remuneração das empresas estatais que respondem pela usina, no Brasil, ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), e, no Paraguai, Ande (Administração Nacional de Eletricidade).
Somando todos os repasses para o Paraguai, incluindo o valor da cessão, e fazendo um paralelo com a receita que ele destinou, o parceiro do Brasil ficou, no ano passado, com um saldo positivo de quase US 15 milhões (R$ 75 milhões), mostra o levantamento da entidade.
No balanço geral do ano, o Brasil foi responsável por 85% das receitas de Itaipu, adquirindo 76% da energia gerada. No total, 64% dos repasses da hidrelétrica destinam-se ao Paraguai.
“Quando olhamos o fluxo total líquido, o Paraguai recebeu não apenas energia, mas também pagamentos. Desde que a Itaipu começou a operar apenas em um ano, 2021, o Paraguai não teve receita”, diz Richard Hochstetler, diretor de assuntos econômicos e regulatórios do instituto, que coordenou o trabalho.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Itaipu disse que a empresa não conhecia o estudo e, por isso, não comentaria.
Brasil e Paraguai dariam início às discussões sobre o Anexo C na quinta-feira (26), em uma reunião no Ministério de Minas e Energia, em Brasília, que contaria com a presença dos presidentes da binacional de cada lado da fronteira.
Em paralelo, o presidente Lula (PT) e o presidente paraguaio, Santiago Peña, também fariam um encontro para tratar do tema. O governo brasileiro, no entanto, pediu o adiamento.
Quem no Brasil paga pela energia de Itaipu
Consumidores de 31 distribuidoras em dez estado e no DF são obrigados por lei a incluir na conta de luz a tarifa da usina binacional
- São Paulo
– Enel SP (Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo)
– EDP SP (São Paulo Distribuição de Energia)
– Elektro (Neoenergia Elektro)
– CPFL Paulista (Companhia Paulista de Força e Luz)
– CPFL Santa Cruz (Companhia Jaguari de Energia)
– CPFL Piratininga (Companhia Piratininga de Força e Luz)
– ESS (Energisa Sul-Sudeste)* - Rio de Janeiro
– Light Enel RJ (Ampla Energia e Serviços)
– EMR (Energisa Minas Rio, antiga EMG)* - Minas Gerais
– Cemig (Companhia Energética Minas Gerais)
– CPFL Santa Cruz (Companhia Jaguari de Energia)
– DMED EMR (Energisa Minas Rio, antiga EMG)*
– MESS (Energisa Sul-Sudeste)* - Espírito Santo
– EDP ES (Espírito Santo Distribuição de Energia) - Mato Grosso
– EMT (Energisa Mato Grosso) - Mato Grosso do Sul
– EMS (Energisa Mato Grosso do Sul) - Goiás
– Celg (Equatorial Goiás)
– Chesp (Companhia Hidroelétrica São Patrício) - Distrito Federal
– NDB (Neonergia, antiga CEB) - Paraná
– Copel Cocel (Companhia Campolarguense de Energia)
– CPFL Santa Cruz (Companhia Jaguari de Energia)
– Forcel (Força e Luz Coronel Vivida)
– ESS (Energisa Sul-Sudeste)* - Santa Catarina
– Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina)
– DCELT (Distribuidora Catarinense de Energia Elétrica, antiga Ienergia)
– Cooperaliança (Cooperativa Aliança) - Rio Grande do Sul
– CEEE distribuição (Equatorial Energia)
– DEMEI (Departamento Municipal de Energia de Ijuí)
– Eletrocar (Centrais Elétricas de Carazinho)
– ELFSM (Empresa Luz e Força Santa Maria)
– RGE Sul Nova Palma Energia Muxenergia (Muxfeldt Marin & Cia)
*A distribuidora aparece em mais de um estado porque tem área de abrangência regional
Fonte: Aneel