Bragantino mostra que tamanho não é mais documento
Ao enfrentar os gigantes com um modelo diferente – e muito dinheiro –, clube do interior paulista dá uma saudável chacoalhada no futebol brasileiro.
O sucesso do projeto de futebol do Red Bull Bragantino empolga e incomoda no Brasil. Empolga pelo desempenho e incomoda por confrontar o modelo vigente.
Primeiro é preciso determinar o significado de sucesso. Em um país conservador e tradicionalista no futebol, sucesso é sinônimo de taça. O pensamento ainda gira em torno de conceitos como peso de camisa, tradição, história, entrega, dedicação. Todos válidos, mas será que ainda determinantes?
Dentro desse pensamento que insiste em chamar de mercenário jogador que cobra salário em dia, é comum vermos muita gente torcer o nariz para empresas que investem no futebol. Nossos clubes centenários nasceram quase todos do mesmo embrião da paixão e do sonho de amigos. Cresceram sob a ótica do amadorismo na administração de um jogo que se transformou em espetáculo de excelência profissional. Hoje convivem com um dilema: como gerir de forma amadora um negócio bilionário e de alto nível de investimento e rendimento?
Uma parcela de torcedores e analistas ainda não aceita a ideia de que uma empresa tenha seu time de futebol e faça dele um negócio. Algo muito diferente de uma empresa que formava um time de futebol para seus funcionários, como aconteceu no passado com equipes como Renner, Força e Luz. Eram equipes dos grêmios esportivos dos funcionários. Assim como tivemos no processo de crescimento do voleibol brasileiro, por exemplo, as equipes da Transportadora Americana, da Pirelli (que era uma associação desportiva classista), da Atlântica Boavista.
Qual o problema de uma empresa querer montar ou comprar seu time de futebol?
“Ah, não tem tradição!”
“Pô, comprou camisa para subir de divisão!”
“Quem vai torcer para uma marca?”
Afirmações e perguntas pertinentes.
Não defendo a tese de que a única salvação para o futebol seja transformar todos os clubes em empresas. Há exemplos catastróficos desse processo. Esta decisão é particular e depende dos associados dos clubes. Para fazer uma boa gestão não é obrigatório migrar para o modelo S.A ou Ltda.
Alguns pontos no processo da Red Bull no Brasil merecem destaque e reflexão. O grupo tem dois times. Como o projeto de ter uma equipe na primeira divisão brasileira patinou por conta do desempenho do time original, a empresa fez uma “gambiarra” esportiva e comprou uma vaga na Série B para sua equipe principal ao adquirir o Bragantino. Um clube de família, que não teria uma guerra de associados e conselheiros para tomar uma decisão. Queimou etapas em um processo bastante comum no mundo empresarial, mas que causa estranheza na esfera esportiva.
O que talvez incomode alguns “puristas” no projeto da empresa é a ideia de se buscar lucro. Numa análise simples, a diferença entre o futebol do modelo tradicional no Brasil e o da Red Bull é que os chamados clubes sociais são instituições sem fins econômicos, não visam lucro. Apenas a glória e as vitórias. Na teoria. A busca suspeita pelos fins econômicos ocultos resultou num cenário de grandes clubes endividados ou falidos.
Talvez a Red Bull enfrente um dilema esportivo com o Bragantino disputando a liderança do Brasileirão. O time é o “hub” do grupo na América do Sul. Os olheiros buscam jogadores em outros países, trazem para o Brasil e vislumbram, após uma valorização na maior liga do continente, uma venda para a Europa ou uma migração para os times do grupo no Velho Continente. Qual seria a solução econômico-esportiva para uma milionária proposta por Claudinho ou Artur em um momento decisivo do campeonato? Lucro ou vitória?
A simples menção a esse caso e as reflexões que ele provoca mostram o sucesso da iniciativa. Mexeu com algo enraizado, está tirando o futebol brasileiro da inércia.