A nova Itália quebra uma tendência do futebol de seleções
Pouco antes da Eurocopa começar, Gareth Southgate, técnico da Inglaterra, alertou que os dois últimos vencedores dos grandes torneios de seleções tinham experiência e sabedoria para praticar um jogo de “margens pequenas”. Referia-se ao conservadorismo, ao pragmatismo da França, campeã mundial na Rússia, e de Portugal, que conquistara a Europa dois anos antes.
Pois aí reside, provavelmente, o grande mérito da Itália: se não eliminou, ao menos contrapôs a crescente percepção de que, no futebol de seleções, modelos que prezam mais a segurança do que a ousadia têm melhores chances de êxito. Mais do que concluir a renovação de conceitos da sua própria escola de futebol, a seleção de Roberto Mancini contrariou uma tendência recente nas competições entre países.
É evidente que o mundo globalizado fez o futebol de seleções deixar de ser, há algum tempo, o polo difusor de tendências para o futebol mundial. Os grandes torneios não revelam mais “o novo”, porque as novidades não esperam mais por dois ou quatro anos para se mostrarem ao mundo. Estão em todos os lares, ao redor do planeta, semana após semana nos jogos de clubes, estes sim responsáveis por influenciar o jogo. Os torneios entre nações reúnem uma elite técnica, alguns dos principais jogadores do mundo. Mas deixaram de ser a vanguarda tática. Porque seleções treinam pouco, têm reuniões esporádicas e competem com atletas fisicamente debilitados.
No entanto, ao empregar seu jogo de pressão ofensiva, agressividade, busca pelo ataque, a Itália também exibiu os riscos de fazê-lo. Em torneios de fim de temporada europeia, o físico cobra um preço, e o time venceu apenas um dos quatro jogos que fez nos mata-matas de Euro. As três prorrogações levaram a lesões, oscilações de desempenho, alternâncias na capacidade de pressionar e até a momentos mais conservadores, como na vitória sobre a Bélgica. Motivos de sobra para algumas seleções darem um freio na ousadia. Mas a Itália levantou a taça com o melhor futebol do campeonato.
A definitiva ruptura com o catenaccio prova que o progressivo desaparecimento dos antigos rótulos, das antigas escolas, é talvez o traço mais evidente do atual futebol de seleções. A Inglaterra tenta construir com bola no chão; a Alemanha tinha um modelo de posse com DNA mais espanhol do que alemão; a Suíça é mais técnica do que ferrolho…
A final de ontem reunia dois exemplos gritantes da migração de estilos. Se a Inglaterra o faz a partir da liga mais cosmopolita do mundo, da maior reunião de jogadores e treinadores de diversas partes do planeta, a Itália, cujo campeonato ainda é dominado por treinadores domésticos, nos dá importante lição: a globalização do jogo tem a ver, sim, com o fluxo de pessoas, de jogadores e de técnicos; mas também com o fluxo de ideias, de influências, da informação. E esta, diga-se, nunca esteve tão ao alcance das mãos.
Na final de Wembley, o gol relâmpago dos ingleses ajudou a moldar o jogo, mas permitiu aos donos da casa serem ainda mais conservadores. Após controlar a posse mas criar pouco no primeiro tempo, os italianos fizeram 30 minutos de imensa pressão na volta do intervalo. Cresceram, em especial, com o movimento de Insigne como falso 9, após a saída de Immobile. Após o empate, era natural que os dois times assumissem menos riscos até a decisão por pênaltis que consagrou Donnarumma como o melhor jogador da Eurocopa.
Um torneio de grandes histórias, times conservadores e outros atrevidos. Mas que devolve ao futebol de seleções um campeão que buscou se impor com bola, agressividade e ofensividade.